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AÍ TREM COISA!

364 famílias poderão ser expulsas e mais de 10 mil pessoas poderão ficar excluídas do acesso ao Transporte.


Entenda os impactos e as ameaças que a obra do Monotrilho pode trazer para os moradores do Subúrbio Ferroviário e da Região Metropolitana de Salvador


O Sistema de Trens do Subúrbio (STS) é um sistema de transporte coletivo público operado pela Companhia de Transportes do Estado da Bahia (CTB), composto por uma linha ferroviária de 13,5 km de extensão que liga os bairros da Calçada, na Cidade Baixa, a Paripe, no Subúrbio Ferroviário de Salvador, com 10 estações ao longo de diversos bairros dessa região. O STS, o Trem, ou Trem do Subúrbio, como é chamado pela população, liga a Península de Itapagipe e o Subúrbio Ferroviário de Salvador, atravessando dezenas de bairros de duas regiões, Cidade Baixa e Subúrbio Ferroviário.


Existindo desde 1860, o Trem faz parte da história, do modo de vida e da identidade da população suburbana. O Trem é um elemento significante na paisagem cultural local não apenas pela sua materialidade, mas também pelos laços simbólicos, afetivos e de vizinhança, tecidos nas conexões e redes que o uso da infraestrutura ferroviária ajuda a estabelecer entre as pessoas.


No entanto, o Governo do Estado tem atuado nos últimos anos para encerrar a operação do Trem, substituindo-o pelo modal Monotrilho. Diferente do que o Governo do Estado insiste em afirmar equivocadamente, Monotrilho não é Veículo Leve sobre Trilhos (VLT). O Monotrilho tem trilho estreito com trens mais largos e é elevado, com enorme impacto paisagístico e ecológico, devido ao constante descarte de pneus e roldanas de borracha. O VLT tem implantações em nível, uma melhor adaptação ao meio urbano e menor impacto visual e paisagístico, podendo reaproveitar os trilhos da linha férrea atual e gerar menos remoções. Ou seja, há alternativas de recuperação do Trem e de implantação do VLT na própria linha férrea com custos de implantação menores - cerca de 50% a 133% mais barato que o do Monotrilho - permitindo responder essa necessidade por transporte público de qualidade e ao mesmo tempo direcionar recursos substanciais para outras demandas por bens e serviços públicos essenciais.


A intervenção do Monotrilho vem gerando muitas críticas e temores pelo modo autoritário que vem sendo conduzida e devido aos impactos, ameaças e violações que traz ao Subúrbio Ferroviário, dentre outros territórios afetados da Região Metropolitana de Salvador. São muitas as dúvidas e questões em torno da implantação do Monotrilho, sobretudo, em função da falta de diálogo, canais de participação e transparência da informação, mas também por ser uma modalidade de transporte coletivo urbano ainda controversa no país, vide os problemas do Monotrilho de São Paulo.




O Governo do Estado está desconsiderando tudo isso e anunciou a desativação da linha férrea. Caso a desativação se efetive, isto implicará a interrupção dos serviços do Trem durante a obra de implantação do Monotrilho. Mas, os problemas trazidos por essa intervenção são muito maiores. De acordo com dados da CTB, cerca de 10.260 pessoas utilizam o Trem cotidianamente. São trabalhadores de rua ou ambulantes, autônomos, pescadores, marisqueiras e catadores de recicláveis, estudantes que usam esse transporte público para ir ao trabalho, acessar escolas, comércio e serviços em subcentros do Subúrbio ou no Centro tradicional de Salvador. Esse número expressivo de passageiros revela a vitalidade e um importante uso do Trem, no que pese um evidente processo de sucateamento da sua infraestrutura e equipamentos, marcado por desinvestimentos, descontinuidades ou interrupção de políticas de manutenção e qualificação da sua infraestrutura e equipamentos.


A população usuária do Trem, majoritariamente negra e de mulheres, vivencia condições generalizadas de pobreza, precarização e de desigualdades sociais e urbanas (ver Dossiê Coletivo Aí Trem Coisa), sendo que a maioria está ocupada em trabalhos informais; 40% se encontra abaixo da linha da pobreza; e 72% participa de programas sociais, sobretudo o Bolsa Família. Caso o Monotrilho seja imposto pelo Governo do Estado, essa situação será ainda mais agravada, pois esses milhares de usuários serão submetidos a uma situação de imobilidade, considerando que 90% delas não conseguirá arcar com o custo da nova tarifa de transporte, que terá um aumento estimado em 740% em função da mudança de modal.


A intervenção do Monotrilho traz também a ameaça de remoção de várias centenas de famílias assentadas há muitas décadas no território. Estes habitantes têm na moradia autoconstruída seu maior bem, herança de lutas familiares. É chocante que o Governo do Estado siga adiante com a remoção de cerca de 364 famílias, vulnerabilizando e ameaçando o direito à moradia digna dessa população em plena pandemia!


São muitas as perguntas que continuam sem respostas: É possível modernizar o Trem de outra forma e com um menor custo? Quando serão discutidos os estudos técnicos e de viabilidade, incluindo a consideração de alternativas ao Monotrilho? Quais são os diferentes impactos e riscos da implantação de um Monotrilho? Como esses impactos poderiam ser minimizados ou revertidos? Caso realmente o Trem seja desativado, como os usuários que dependem dele vão se locomover no período das obras? Qual o impacto da nova tarifa no custo de vida dos habitantes, nas suas redes e circuitos econômicos populares? Quais serão as contrapartidas públicas nos territórios afetados pela intervenção? Como compatibilizar a melhoria do transporte ferroviário com a permanência e garantia do direito à moradia digna dos moradores na área de influência do sistema ferroviário? Quando o Governo do Estado vai discutir finalmente o projeto em audiência pública? Coisa que até agora nunca aconteceu. Como a atual crise mundial do Coronavírus interfere nos rumos da intervenção?


Diante da recusa de diálogo pelo Governo do Estado, professores e estudantes da Universidade, moradores e coletivos urbanos do Subúrbio buscaram discutir sobre essas questões e elaboraram o Jornal Aí Trem Coisa. O Jornal compartilha importantes reflexões e informações coletivas que colaboram para o enfrentamento dos desafios e ameaças colocadas pela intervenção do Monotrilho. Acesse aqui


O que dizem e o que querem os Moradores afetados pelo Monotrilho?


Gilson, 64 anos, morador nascido e criado em Periperi relata que “Preservar o trem é valorizar a nossa cultura, memória e relações. A ferrovia é o coração da região. Coração que faz pulsar”. Gilson é membro do Projeto Verde Trem e da Sociedade Nacional Movimento Trem de Ferro, criada há mais de 30 anos por usuários deste sistema de transporte, que defendem que o modal seja mantido e modernizado.


Mero, pescador do Porto da Sardinha em Plataforma, preocupado com a ameaça de desativação do Trem do Subúrbio fala da sua importância para a circulação e comercialização do pescado da região, viabilizando meios de vida para centenas de pescadores e marisqueiras que trabalham nesse Porto. Segundo Mero,

"O Estado cria o problema, divulga o problema e depois oferece a solução”.

Piau, também pescador do Porto da Sardinha, destaca o grande tempo de permanência das famílias nesse território, no caso dele há 37 anos. Sua preocupação se soma com a de Ciata, moradora da área há 44 anos e a de Dandara, esta afirma que para os governantes

"Somos invisíveis, não existimos”.

Já em Santa Luzia, no bairro de Lobato, dezenas de moradores, incluindo Antônio, presidente de uma Associação local, enfatizam os graves problemas de drenagem, inundações e deslizamentos que vivem cotidianamente, a exemplo das constantes inundações na localidade denominada Baixa do Cacau. Para eles, qualquer obra de melhoria da infraestrutura do transporte e mobilidade tem que vir acompanhada de intervenções estruturantes que enfrentem e atendam demandas básicas e prioritárias como as de saneamento, prevenção de riscos e resposta aos desastres. Para Antônio, sem atenção a estas necessidades e urgências o Monotrilho correrá o risco de "ser um rio que passou em nossas vidas”, sem resolver questões fundamentais.



Para José e Vilma, fundadores do Acervo da Laje, no São João do Cabrito, caso o Monotrilho seja implantado, é fundamental que existam contrapartidas também no campo Cultural. Eles questionam se os bancos das antigas estações serão remanejados para praças, se as antigas estações podem se tornar centros culturais, se a Fábrica São Braz vai ser recuperada, como seria a reciclagem dos equipamentos da atual ferrovia. José afirma que estão em curso grandes transformações no Subúrbio Ferroviário e que há incertezas sobre o futuro e a permanência dos moradores. Ele nota a chegada de Condomínios nas áreas verdes do Subúrbio e o aparecimento dos “atacadões” (redes de supermercados atacadistas), indicando que esse território vem sendo disputado pelo Mercado e que “os moradores foram os últimos a saber”. Para ele é importante cultivarmos as memórias urbanas, pois elas nos contam sobre os diferentes modos de vida do Subúrbio, historicamente invisibilizados.


A intervenção do Monotrilho tem impactos de alcance mais amplo, já que muitos habitantes de municípios da Região Metropolitana, tais como Simões Filho, Camaçari e Dias D'ávila também usam o Trem e tem expectativas por melhorias no Sistema Ferroviário pelo Estado. Como destacado por Raimundo - Diretor-Presidente da Associação de Pescadores, Marisqueiros e Marisqueiras de Simões Filho - desempregados, trabalhadores informais, pescadores, marisqueiras, trabalhadores rurais, catadoras de folhas medicinais e catadores de alimentos do resto da feira, dependem do Trem e dos ônibus para fazer o transporte dos seus produtos e criar alternativas de trabalho e renda.


Raimundo chama atenção ainda para o equívoco do projeto do Monotrilho, que prevê uma única estação em Simões Filho, localizada em Ilha de São João, quando deveria, segundo ele, reativar a antiga estação de Trem de Mapele, um dos mais importantes territórios pesqueiros do Estado. Mesmo com a atual desconexão, pescadores e marisqueiras de Mapele usam o transporte ferroviário para transporte do pescado e sua distribuição em centralidades como a Calçada e Feira de São Joaquim.


FÓRUM DE ENTIDADES BAIANAS DE DEFESA DA
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