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Boiadas urbanísticas e racismo ambiental em Ilha dos Frades

No mês de março de 2020, durante a pandemia de COVID-19, a Câmara de Vereadores de Salvador aprovou três leis de iniciativa do Poder Executivo, ou seja, do então Prefeito da cidade, Antônio Carlos P. de Magalhães Neto, são elas: Lei 9.509/2020, Lei 9.510/2020 e Lei Complementar nº 74/2020. Passado um ano, em março de 2021 foram aprovadas as Lei 9.562/2021 e 9.603/2021 de iniciativa do Prefeito Bruno Reis. Mas o que elas trazem em comum e porque pipocaram na cidade de Salvador?


Juntas, elas alteram dispositivos do plano diretor de Salvador (PDDU/2016), da Lei de Ordenamento do Uso e Ocupação do Solo e de leis ambientais importantes ao município, a citar, Lei 8.164/2012 e 8.165/2012, além de legislarem em outras áreas da vida urbana. Todas as cinco passaram pelo mesmo processo legislativo: o projeto original de lei sofreu uma série de emendas sem relação temática com o seu assunto original, passando a versar sobre muitos outros assuntos, foram aprovadas sem debate, sem audiências públicas, sem estudos técnicos e até mesmo sem que seus anexos estivessem disponíveis para avaliação antes da votação.


Um dos resultados desta boiada urbanística foi uma série de imposições de proibições, regulamentações restritivas de direitos e detalhamento de parâmetros urbanísticos em Ilha dos Frades e sua vizinha, Ilha de Bom Jesus dos Passos. Tornou-se proibido: qualquer tipo de pesca de qualquer espécie de peixe, inclusive pesca artesanal; atividade de camping; venda de artesanato e quaisquer outros itens nas praias e caminhos. A mariscagem, coleta de outros animais que fazem parte da dieta não somente local e regional, mas de toda a cidade, como caranguejo e siri, não são permitidas até o momento, pois aguardam regulação pelo Município, bem como, a sua manipulação. Estão sujeitos à mesma regulação a prática de esportes na praia como futebol e vôlei, a utilização de som dos barcos, a venda de alimentos e bebidas na praia, o horário de tráfego de embarcações e a descarga de suprimentos e alimentos nos piers e praias. A construção de novas estruturas de acesso às praias, como piers e rampas, fica condicionada ao veto dos atuais “proprietários e concessionários” de estruturas já existentes. Ou seja, um particular pode vetar que outros também tenham acesso ao mar e embarcações por meio de píer!


No bairro de Ponta de Nossa Senhora de Guadalupe, o mais habitado, não é permitido levar alimentos à praia, é restrita a prática de esportes, é proibido o camping, não é permitido o trânsito de veículos motores, exceto triciclos, quadriciclos 4T e carros de golfe! O bairro foi subdividido em zonas detidamente desenhadas pelo legislador, que também determinou as atividades destinadas para cada contorno do bairro. Em geral, as áreas próximas à praia e locais turísticos, consideradas de maior “valor paisagístico”, foram destinadas para loteamentos de luxo e exploração hoteleira.


Tudo isso foi decidido, votado e aprovado sem nenhuma consulta prévia às comunidades de Ilha dos Frades e entorno da Baía de Todos os Santos, que vivem da pesca, mariscagem e historicamente utilizam as praias da Ilha não somente para pescar seu alimento, mas para lazer, atividades culturais e religiosas. São comunidades tradicionais, em sua maioria quilombos, que moram e navegam pelo território pesqueiro da Baía de Todos os Santos e hoje lutam e mobilizam-se no Movimento de Pescadores e Pescadoras da Bahia para que a Ilha dos Frades não se torne uma ilha, na prática, privada, cara e branca. Sua articulação, em conjunto com o Grupo Ambientalista da Bahia, Movimento Vozes de Salvador, Fórum A Cidade também é nossa, Instituto dos Arquitetos do Brasil – Bahia e Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico deu origem a uma representação ao Ministério Público da Bahia que, após investigação, ingressou com três Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIN) contra as leis aprovadas em 2020.

Neste momento, esta face perversa e articulada do racismo ambiental em Salvador está pipocando no Tribunal de Justiça da Bahia que no segundo semestre de 2022 iniciou o julgamento das ADINs gerando debates em suas sessões de votação. A Associação de Dirigentes de Empresas do Mercado Imobiliário da Bahia vêm atuando fortemente nas ações para que não obtenham sucesso e a boiada siga passando. Por outro lado, associações de pescadores e pescadoras e outras organizações da sociedade civil, além de campos de professores e acadêmicos têm feito resistência e exposto ao Judiciário as violações aos direitos fundamentais das populações da Baía de Todos os Santos, além de outras inconstitucionalidades das leis.


No último mês as sessões do Tribunal tornaram-se acaloradas mas até o momento os pedidos cautelares do MPBA, com urgência, para garantir o direito à pesca, entre outros, ainda não chegaram ao final de seu julgamento. Para a Lei 9.510/2020, o voto do relator (desembargador responsável por estudar o processo, relatar para os seus pares e proferir seu voto de decisão para que os demais acompanhem ou não) acolheu o pedido de urgência. Mas, para a preocupação de pescadores e pescadoras, houve um voto divergente e segue-se pipocando um debate intenso no Tribunal sobre o futuro de Ilha dos Frades e sua fruição pelas comunidades tradicionais da Baía de Todos os Santos, além de muitos outros aspectos contidos nas leis.


Conheça as 3 ADINs propostas pelo MP, que estão sendo julgadas no TJ, consultando o site

Para fazer a consulta você deve informar os números dos processos:

ADIN Nº 8029741-02.2021.8.05.000

ADIN Nº 8029746-24.2021.8.05.0000

ADIN Nº 8029739-32.2021.8.05.0000





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